terça-feira, 29 de setembro de 2015

Portas

Era um corredor longo, estreito, com piso de madeira que rangia aos passos da menina. Uma música clássica tocava ao fundo. Era Tchaikovsky, O Lago dos Cisnes. A medida que a música se intensificava ela ia andando pelo corredor. Milhares de quadros na parede, fotos de vidas que ela não conhecia, pessoas estranhas e ao mesmo tempo conhecidas. Milhares de possibilidades. Ela se reconhecia em algumas das imagens, mas não se lembrava de nada daquilo. Foi andando. A música chegou no ápice e apareceram três portas em sua frente, todas iguais. Cada qual trazia um quadro branco e um lápis na frente. As portas estavam semi-abertas, mas não era possível ver nada através da fresta. A melodia do Cisne saia delas como se estivesse programada para se repetir. Uma trilha sonora. Os números em cima das portas eram a única coisa colorida no lugar, todo o resto era cinza e uma palavra acima resumia o que deveria ser feito: “COLORA”. Mas qual lápis pegar? Em qual quadro desenhar? Ela olhou para trás em busca de ajuda. O silêncio assustador começava a tomar conta do ambiente e um a um os quadros foram sumindo, desbotando, sugados pelas paredes. Ela precisava decidir. Temia escolher errado. Não havia borrachas, ela não poderia voltar atrás.


O tempo estava passando, Ela agora também perdia a cor. Seu vestido branco estava mais branco e sua pele estava pálida como a de um cadáver. Estava sumindo. Fechou os olhos e deixou as notas musicais entrarem novamente na sua cabeça e invadirem seu corpo. Uma a uma as células de seu corpo vibravam com aquele som. Abriu-os e se virou para a primeira porta: pegou o lápis. A terceira porta tinha o número azul e ela imaginou o céu e o mar azul, brilhantes, enquanto se aproximava da segunda porta. Encostou o lápis no quadro e como se tivesse saído em uma manhã ensolarada sem óculos escuros a luz preencheu o ambiente. Seus olhos foram iluminados e ela viu. Diante de si estava uma nova porta e em cima dela uma nova palavra: “COMPLETE”. A música estourou no corredor quando ela encostou na maçaneta e empurrou a pesada madeira. Do outro lado ela viu seu desenho. O céu límpido, o sol brilhante na água e uma caneta no meio da praia, para desenhar mais, sem apagar o que foi feito, mas acrescentando nele as novas cores, os novos traços. Ela pisou na areia quente e deixou que o vento balançasse seu cabelo, seu vestido e as novas linhas para a nova vista. Água, terra e ar. A junção de três. E o fogo que ardia dentro dela para experimentar, ansiava descobrir quantas outras combinações seriam possíveis de criar se ela apenas transformasse.

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